segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Ratos


Minha história não tem tempo, não tem espaço, tem apenas dor e sofrimento. Nasci em família pobre e comi o pão que o diabo amassou. Aos quatorze anos, meu pai me violentou. Fugi de casa, passei dias de fome. À rua fui apresentada, e dela tirei meu sustento.

No começo, sofri muito. Meu corpo não estava acostumado àquela realidade de noites frias, homens sujos, e sexo imundo. Com o tempo, passei a estampar o prazer no rosto, no entanto, tinha a dor no coração. Apanhei, levei calote, fui presa. Sobrevivi de corpo, mas há anos os vermes já devoravam meu espírito.

A idade foi chegando, meu corpo murchando, tornando-se cada vez mais seco e áspero. Como um legume em fim de feira, perdi valor. Tornei-me lixo, só os ratos queriam-me, e ratos nunca pagam pelo que comem. Não consegui mais tirar sustento de meu sexo, passei então a sobreviver da escassa bondade de outros. Morei e sofri debaixo de pontes e viadutos até o momento em que ratos tiraram-me desse mundo, de onde nada de bom levei. Pobre rato homem. Sem caráter, tirano, impiedoso homem.

Chamaram-me puta, quenga, meretriz, mulher da vida e prostituta, mas antes de tudo, era mulher. Mulher sem nome, sem espaço, atemporal. Era apenas mais uma entre tantas almas sofridas desse mundo.